O impacto provocado pela pandemia do novo coronavírus em nossas vidas ainda é imensurável. Muitos planos e sonhos foram interrompidos ou adiados. O próprio contato humano foi impedido. Ao reduzir a possibilidade de deslocamento, a pandemia modificou também a nossa percepção sobre o sentido de viajar. Como explica a turismóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Raquel Panke, o turismo costuma ser motivado por interesses culturais, históricos, naturais e até mesmo como símbolo de status e poder aquisitivo, mas “com a pandemia, as viagens passaram a ter um significado pautado na experiência, na valorização do contato com a natureza e com a companhia que partilha”. Além disso, a professora chama a atenção para a importância das viagens como lazer, tempo de recreação e pausa necessária no cotidiano para manutenção do equilíbrio e da saúde mental.
Diante das possibilidades restritas, uma nova forma de viajar ganhou adeptos em todo o mundo: o turismo de isolamento. Viagens de curto deslocamento, em que a hospedagem é o foco principal – afinal, estar afastado de grandes centros, sem risco de aglomeração, com espaço amplo e contato com a natureza são os principais critérios de escolha em tempos pandêmicos. Segundo Raquel, a tendência é que o turismo de isolamento se intensifique: “com a continuidade do home office e do home schooling, esta modalidade de turismo permite conciliar qualidade de vida com o cotidiano tecnológico”.
A jornalista e cientista política Lanna Sanches é nômade digital desde 2017, quando realizou uma viagem sola de mochilão pela América Latina. O plano para 2019 era percorrer o Norte e o Nordeste do Brasil ao lado do namorado. Começaram a viajar em março e poucos dias depois o coronavírus chegou por aqui. Assim, a primeira parada, uma pousada em Lençóis, no Parque Nacional da Chapada Diamantina, acabou se tornando morada do casal por oito meses. Quando a cidade reabriu para turismo e circulação, a possibilidade de ir para outros lugares veio junto com o medo de sair do isolamento. “A gente saiu morrendo de medo, se perguntando ‘Como é que tá o mundo?’.” Começou então a saga em busca de outros destinos em que o isolamento fosse possível.
Levando em conta a distância, o tamanho da cidade e a dificuldade de acesso, partiram para Itacaré e depois Santa Cruz Cabrália, na Bahia. Após dois meses, com a chegada do Carnaval e a proximidade com Porto Seguro, o isolamento acabou na cidade e elas foram em busca de outro refúgio. O destino escolhido foi Cumuruxatiba, distrito de Prado, no sul do estado. Lanna explica que os cuidados com a pandemia mudaram os critérios usados na hora de optar por uma estadia: além do custo do aluguel, ter internet para trabalhar de forma remota e estar em local de difícil acesso que garanta isolamento são prioridades. “Um lugar com acesso à praia, rio, cachoeira, ou trilha que leve a algum mirante. Escolhemos o que faz bem pra gente, que é ter esse contato com a natureza. A casa com quintal, árvores, rede… É um respiro”, conta. E é cercada de natureza que Lanna vive há dois meses com o namorado e mais dois amigos nômades.
Com a imprevisibilidade de um mundo pandêmico, planos a longo prazo deram lugar a um planejamento semanal. Mesmo assim, ela conta que a ideia é permanecer por lá até o meio do ano. “A praia aqui é gigante, então é possível ir e ficar isolado. Outro dia, fomos fazer uma caminhada e não encontramos quase ninguém na trilha”, relata. Lanna conta que todos fizeram teste para Covid-19 antes de ir até lá. “A gente é viajante e uma parte da viagem é conhecer pessoas, mas nossa preocupação agora é com a saúde de todos e com não colocar as pessoas em risco”.
Babi Cady tinha acabado de voltar de uma viagem de quatro anos de volta ao mundo, então não tinha nenhuma grande viagem programada para 2020. O plano era ficar no Rio de Janeiro e trabalhar com turismo. Ao mesmo tempo em que a pandemia impediu isso, acabou trazendo para ela uma nova profissão: professora de inglês. “A pandemia mudou completamente a minha relação com viagem e minha relação com trabalho”. Ao passar quatro meses de quarentena em um apartamento em Copacabana, Babi começou a sentir falta de sol. “Eu sou uma pessoa que precisa de natureza, é algo que sempre busco em minhas viagens. A falta de vitamina D deixa a gente triste. Aí comecei a pensar, “para onde eu posso ir em que eu possa estar em contato com a natureza, mas não colocar ninguém em risco?’”. O primeiro refúgio de Babi foi uma casa em Bananal, no Vale do Paraíba, interior paulista. No meio do mato, em que o acesso é limitado e é preciso levar todos os mantimentos necessários para o tempo de estadia, a casa possuía a internet necessária para que Babi seguisse trabalhando. “Eu estava andando descalça, pegando fruta do pé, tomando banho de cachoeira, eu estava totalmente conectada com a natureza”, comemora.
Quando conversamos, Babi já estava em outro lugar, Conceição do Jacareí, em Mangaratiba, no Rio de Janeiro, onde segue dando aulas de inglês remotamente. Ela lembra que sempre busca locais que tenham estrutura para cozinhar e assim não precisar sair da propriedade, mas neste momento de pandemia a preocupação é maior: não colocar a população local em risco, uma vez que cidades pequenas costumam ter uma rede de saúde menor e mais fragilizada. “A natureza tem um poder calmante e traz vários benefícios, como redução de estresse e ansiedade. As pessoas estão sentindo isso na busca por manter a saúde mental, mas faltam locais sem aglomeração nas cidades. Então esse isolamento acaba sendo acessível para um público privilegiado”, comenta.
Babi observa que cada vez mais pessoas estão buscando opções de trabalho que permitam uma liberdade geográfica e lembra que existem vários tipos de ocupação que podem ser realizadas como nômade digital, sendo que cada pessoa pode procurar aquela que melhor funciona para seu perfil e estilo de vida. “Meu objetivo é seguir trabalhando com isso. O nomadismo digital, atrelado ao minimalismo, para que eu possa passar uma temporada em outro lugar, fazendo o que eu faço, mas vivendo outra vida. Eu não quero mais viajar com pressa, quero continuar viajando e ganhando dinheiro, o que pra mim é um sonho”.
São várias as opções para quem busca fugir por alguns dias e se isolar, desde acampamentos até resorts de luxo. Mas o aluguel de casas em meio à natureza tem se mostrado uma alternativa muito procurada, que funciona tanto para um fim de semana quanto para períodos mais longos de hospedagem. Você pode encontrar muitas dessas opções na comunidade Sisterwave. Conheça seis anfitriãs que promovem acolhimento em destinos isolados, com toda a segurança:
- Luísa e sua casa típica de fazenda do interior de Minas Gerais
- Conexão com a natureza na casa de Janaína em meio à Mata Atlântica gaúcha
- Gabriela e sua reserva natural em plena Chapada dos Veadeiros
- Conforto com vista para o mar de Floripa, com a anfitriã Jeanete
- Camila e seu aconchegante chalé no Alto da Serra da Mantiqueira
- Tranquilidade na casa repleta de arte da Lélian, em Petrópolis
Impacto no setor
As limitações na realização de diversas atividades, impactaram fortemente o turismo, setor baseado em transporte, alimentação e hospedagem. Segundo a United Nations World Tourism Organization (UNWTO), a queda no fluxo de turistas superou os 22% no ano de 2020, gerando prejuízos de cerca de 30% em receita. “Quando consideramos o impacto em escala regional e local, as perdas são ainda mais significativas se analisarmos todos os segmentos envolvidos no turismo e as localidades dependentes economicamente do setor”, comenta a turismóloga Raquel Panke.
No Brasil, dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o volume de receitas do setor de Serviços diminuiu 7,6% em 2020 na comparação com o ano anterior. O Turismo, em especial, teve queda de 36,7% em relação a 2019. O turismo brasileiro acumula perdas de R$ 312,6 bilhões desde o início da pandemia, aponta levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Para Alexandre Sampaio de Abreu, presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), o quadro é dramático, com fechamento de empresas e de quase 400 mil postos de trabalho. “Mas uma coisa que se observou foi que muitos passaram a viajar para destinos de praia ou de serra próximos às suas cidades, tanto para viagens curtas de fins de semana quanto em negociações de longa estadia”. Abreu alerta que na hora de escolher um destino é preciso levar em consideração as medidas restritivas que estão sendo adotadas no município ou região. O lazer vai voltar muito mais forte, devido à demanda reprimida. “Com mais pessoas vacinadas e com os índices de ocupação em hospitais reduzindo, a tendência é que o lazer volte com muita força e, posteriormente, também o turismo de negócios”, avalia.
Staycation
Outra transformação provocada pela pandemia foi na modalidade conhecida como “staycation”, que consiste em fazer turismo sem viajar. Ao descobrir belezas e riquezas que muitos não conheciam em sua própria cidade, acaba-se também movimentando a economia local. “Foi possível inovar no turismo com diferentes opções de staycation como circuitos turísticos temáticos de bicicleta e ou de barco quando houver esta alternativa; roteiros a pé, geralmente mais afetivos com o resgate da memória local e/ou gastronômicos, fora do que é ofertado ao turista tradicional”, relata Raquel Panke. Segundo a turismóloga, outras modalidades de turismo que privilegiam o contato com a natureza também despontam como tendências, como o turismo de aventura, o ecoturismo, o turismo rural, o cicloturismo e o turismo de base comunitária.
Turismo responsável
Para estabelecer boas práticas de higienização a serem adotadas pelo setor, o Ministério do Turismo criou o Selo Turismo Responsável. A chancela funciona também como um incentivo para que os consumidores se sintam seguros ao viajar e frequentar locais que cumpram protocolos específicos para a prevenção da Covid-19. Para ter acesso ao selo, as empresas e guias de turismo precisam estar devidamente inscritos no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur). Até o momento, já foram emitidos 27.637 selos para estabelecimentos em todo o país, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Para se cadastrar, acesse o site.