Sobre duas rodas: mulheres que viajam de bicicleta

Dia 19 de agosto é o Dia Nacional do Ciclista. A data é um convite a pensar na mobilidade urbana, na segurança de quem pedala, em formas alternativas de locomoção não poluentes como a bicicleta, em saúde e bem-estar.

Infelizmente, o dia 19 foi escolhido por um triste motivo: a morte do ciclista brasiliense Pedro Davison. Conhecido como Pedrinho, ele acreditava que a bicicleta era o meio de transporte do futuro e faleceu em 2006, aos 25 anos, após ser atropelado enquanto pedalava pelo Eixo Rodoviário Sul de Brasília.

Para homenagear Pedro, todos aqueles que amam a ‘magrela’ e os aficionados por viagens, a Sisterwave conversou com duas mulheres incríveis que têm na bicicleta uma paixão, um meio de locomoção e um estilo de vida.

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De advogada e executiva à ciclista

Marli Luisa Juarez, a Lica, sempre praticou esportes e começou a pedalar quando teve uma lesão no ombro e, por isso, não podia mais remar. Quando viu, já estava viajando por aí em cima de uma bike.

Antes advogada e executiva, mãe de dois filhos já adultos, atualmente Lica tem uma empresa em Florianópolis-SC, a Triskel Bike (nas redes sociais, @triskelbike), que tem como um de seus propósitos, incentivar mulheres a pedalar.

Sua primeira viagem foi a Estrada Real, saindo de Diamantina para o Rio de Janeiro. “Fiz com um colega que tem bastante experiência em viajar. Eu queria poder lidar com situações que não sabia ainda: desmontar a bicicleta, como melhor acomodá-la, como montá-la e sair pedalando no local de chegada. Acho que todo mundo começa dividindo essa experiência com outros até a hora que se sente preparado”, pontua.

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Lica em uma de suas viagens de bike, com equipamentos para garantir a segurança do ciclista (Arquivo Pessoal).

Ela se considera uma pessoa que gosta de mudanças, do desafio de chegar a lugares diferentes e de se conectar com pessoas. “Trabalhei muito tempo na área socioambiental, com comunidades quilombolas e ribeirinhas. Essas imersões, não habitar bolhas, conhecer as realidades, sentir o tempo, as mudanças do clima, eu habito esse lugar. Então, para além de uma viagem externa, é uma viagem muito interna”.

Budista, Lica tem dificuldades para meditar, e encontrou na bicicleta uma meditação profunda. Ela dá algumas dicas para quem quer começar a viajar de bike:

“Meu conselho é: vá. Vá para pequenas viagens, faça uma um pouquinho maior, mas faça viagens. O Brasil é um lugar perigoso para viajar, então selecione as localidades, estude bem os roteiros, fuja das grandes cidades. É extremamente importante que a bicicleta seja bem sinalizada, com todos os itens de segurança e iluminação.

E não se cobre demais. Tem que ter a sabedoria de desistir na hora que não dá mais, tem que se observar, descansar, criar uma rotina que seja boa para o teu corpo. A rotina vai ficando cada vez mais gostosa, você vai entendendo que é mais forte e melhor do que imagina”.

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Lica ressalta que lugares preparados para o cicloturismo são bons locais de aprendizado (Arquivo Pessoal).

A última viagem de Lica foi o Caminho da Fé, que fez com uma amiga. De acordo com ela, esses caminhos e lugares que são preparados para peregrinos, para o cicloturismo, são bons lugares de aprendizado.

Ela acredita que o maior problema que mulheres ciclistas enfrentam é a sexualização: “Motoristas buzinando, você chega nos lugares e vê o olhar curioso sempre depreciativo para a mulher”.

Já dentre as melhores coisas desse estilo de vida, Lica cita a sabedoria. “Pedalar tanto tempo, em tantas paisagens, deixa a pessoa mais sábia. Ter essa oportunidade de se desenvolver, acalentar, acalmar, limpar o baú de coisas. A gente fica muito mais conectada com o nosso íntimo, mais intuitiva, porque tem que despertar o instinto de sobrevivência”, ressalta.

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E, para ela, é fundamental aprender sobre mecânica. “O pessoal fala que bicicleta é liberdade. Eu falo que liberdade é mecânica. Porque você aprende a pedalar e pode atravessar o mundo, mas quando começa a fazer um barulho diferente na bicicleta e você precisa saber como solucionar algo que pode danificar uma peça”.

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As belezas encontradas na estrada (Arquivo Pessoal).

Da Turquia para o Brasil

A musicista turca Nilgün Dülger já costumava viajar de forma tradicional há alguns anos e, para ir ao trabalho, utilizava a bike. “Então pensei ‘por que não juntar as duas coisas e viajar de bicicleta?’”.

Por sua profissão, Nilgün já conhecia e gostava de música brasileira. Ao se ver entediada com sua vida, ela decidiu fazer uma viagem mais longa. Buscando passagens aéreas, encontrou uma muito barata para o Brasil: assim o destino estava escolhido. “E eu também sempre quis ver o Rio de Janeiro”.

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Nilgün realizando o sonho de conhecer a Cidade Maravilhosa (Arquivo Pessoal).

Como sabemos, ser mulher e viajar não é tarefa fácil, ainda mais de bicicleta. “As ciclistas mulheres recebem mais atenção do que os homens e isso pode ser perigoso porque há estradas em que não há ninguém para ajudar durante muitos quilômetros. E, mesmo quando alguém quer ajudar, nunca sabemos o que querem de nós. Acho que os ciclistas homens não pensam assim, eles só pensam que podem ter suas coisas roubadas”, reflete.

Quando se trata das dores e delícias de viver sobre duas rodas, Nilgün destaca: “A melhor coisa desse estilo de vida é ser livre sem precisar de ninguém, de gasolina ou de tanto dinheiro. A pior é que não se pode desfrutar a mesma estrada mais de uma vez, porque é preciso continuar se movendo”.

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As belezas de Grumari (Arquivo Pessoal).

A turca passou meses percorrendo o Brasil, incluindo a Cidade Maravilhosa, e acabou de cruzar para o vizinho Paraguai. Para quem quiser acompanhar mais sobre suas aventuras, ela mantém um perfil nas redes sociais (@busonrampa) e escreve sobre suas viagens em um blog.