Numa manhã de domingo, mais especificamente do dia 23 de maio de 2021, a brasileira Aretha Duarte conquistou um feito inédito: chegou ao ponto mais alto do planeta – o cume do Monte Everest. Sua conquista foi histórica, já que ela é a primeira mulher negra latino-americana a vencer os 8.848 metros de altura da montanha mais famosa do mundo.
“É difícil precisar tudo que senti, pois a emoção é forte. Mas pensei sobre a minha realização e o quanto ela pode servir de inspiração para as pessoas. Para que elas entendem o poder que elas têm. E se elas conseguirem pensar, imaginar, sonhar, se tudo aquilo faz muito sentido para elas, terão a condição de realizar”, comemora Aretha.
Até 2020, 25 brasileiros haviam realizado o feito e somente cinco eram mulheres. Entre mulheres negras, apenas Saray Khumalo, da Zâmbia, e Sophia Danenberg, dos Estados Unidos, haviam conquistado o Everest. Após o feito, Aretha deixa um recado para as mulheres: “Acreditem nos seus sonhos e batalhem por eles. É possível realizar, um passo de cada vez, até chegar ao topo da sua realização pessoal”.
A montanhista de 37 anos nasceu e cresceu em Campinas, no interior de São Paulo. Com uma trajetória de uma década no montanhismo, Aretha estava preparada física e emocionalmente para o feito, após as experiências no Aconcágua, na Argentina (que conquistou por cinco vezes), o Monte Kilimanjaro, maior montanha da África, Elbrus, na Rússia, Monte Roraima, na Venezuela, e Pequeno Alpamayo, na Bolívia, além de vulcões no Equador. Ela reforça a importância da iniciativa para conquista dos sonhos. “Na montanha, você não sobe direto. Você vai passo a passo”.
Experiência transformadora
Aretha comemora a experiência transformadora que essa conquista lhe proporcionou. “O Everest é uma vivência rara, incomum, maravilhosa. A cada dia de ascensão, eu ficava mais surpresa e feliz. Me sentia ainda mais grata por viver aquela situação e entender o quão difícil e especial era estar ali”.
Para Aretha, a montanha é uma grande professora que a faz se conectar mais com a natureza e as pessoas. Ela conta que estar no Everest mudou sua perspectiva e a fez refletir sobre o modo de viver. “Todo mundo tem algo positivo a entregar para a sociedade e entendi que preciso melhorar para que a vida na cidade seja tão especial quanto na montanha”, comenta.
Mulher de montanha
A montanhista espera que sua conquista sirva de exemplo para que outras mulheres percebam seu potencial. “Seja como atletas, profissionais de qualquer área ou simplesmente cidadãs, as mulheres negras, especificamente, têm que saber que elas podem. Elas não precisam ficar focadas só no sonho grande, mas no próximo passo e, depois, no passo seguinte, e no outro, com constância e regularidade, até chegar ao objetivo grande”.
Segundo Aretha, o desafio de vencer tantas adversidades físicas e emocionais (que envolvem planejamento financeiro, organização logística e relações pessoais) traz ainda mais satisfação. “Acredito que a minha conquista pode servir de inspiração para todas as mulheres, mostrando que nós podemos realizar, nós somos capazes. Espero que, daqui para frente, todas nós sejamos a mudança que queremos, tanto pessoalmente quanto na sociedade”.
História no montanhismo
Aretha conta que conheceu o montanhismo apenas na faculdade de educação física, aos 20 anos. “Fiquei extremamente apaixonada, pensando: ‘como nunca tinha ouvido falar neste tipo de esporte antes?’” Com o entusiasmo, começou a fazer cursos de escalada em rocha e então a trabalhar em uma empresa de montanhismo.
O primeiro contato com o Everest aconteceu em 2013, quando chegou ao campo base, mas o interesse em conquistar o cume só foi despertado no final de 2019. “Vendo fotos do Carlos Santalena em expedições no Nepal, vi o Vale do Silêncio, que está 6.400 metros de altitude, achei impressionante e me arrepiei. Achei lindo e naquele momento quis estar lá”.
Agente de mudança
Mais do que uma conquista pessoal, Aretha espera que a visibilidade de sua trajetória possa inspirar outras pessoas e fazer parte de um processo de mudança socioambiental. Além do preparo físico, chegar ao cume do Monte Everest é uma empreitada de alto custo (aproximadamente R$ 400 mil). Para arrecadar fundos, Aretha trabalhou com reciclagem e acabou mobilizando a família e toda a comunidade, angariando quase 40% do valor da expedição por meio da coleta seletiva.
Desde março de 2020, foram mais de 130 toneladas de resíduos destinados à reciclagem, 600 brinquedos entregues a crianças no Natal e 1.200 livros doados à uma biblioteca comunitária. Aretha revela que ainda não tem planos futuros envolvendo a subida de novas montanhas, mas que deve dar andamento à construção da casa própria para dar conforto à sua mãe e também investir em projetos socioambientais. “Minha escalada não era uma realização pessoal. Muito pelo contrário, sempre entendi que geraria resultados coletivos e a busca por uma sociedade melhor se tornou minha prioridade desde o momento em que decidi pelo pela expedição rumo ao Everest”.
A trajetória de empreendedora social segue com a campanha para construção de um centro de treino de escalada na periferia de Campinas. Afinal, os Jogos Olímpicos de 2020 em Tóquio marcam a estreia da escalada esportiva como esporte olímpico e um novo espaço pode fomentar a descoberta de novos talentos. Aretha acredita que cultura, educação e esporte são agentes transformadores ao proporcionar qualidade de vida às pessoas. “O mais importante é ajudar a dar uma vida digna e justa, para que as pessoas entendam a capacidade de se desenvolver”, conclui.